Jonas, meu quinto filho, com seus 11 anos, à mesa, na hora do almoço:
- Pai, por que precisamos vender rifas para comprar as “coisas” prá escola.
Logo me vem à mente uma aquela simplista análise que divide os homens entre Bombeiros e Incendiários. Ou aquela alegoria dos dois lobos que temos “dentro de nós”, o Lobo Bom e o Lobo Mau. Ou similares dicotomias.
Mas a grande questão é profunda: Como ensinar seu filho a ser um bom cidadão? Como não influenciá-lo a ser rebelde alucinado de primeira hora ou um alienado?
Bertolt Brecht me despertou com “O Homem que não sabe é um ignorante, mas o que sabe e nada diz, é um criminoso.”
Preferi não me calar. E, “seja o que Deus quiser”:
- Meu filho a escola faz suas rifas para completar os recursos para sua manutenção e melhorias.
- Mas pai, não é o Governo que dá o dinheiro.
- Sim. Mas, na realidade este é um dinheiro que nós cidadãos pagamos, através dos impostos, o governo recolhe e repassa à escola.
- Se nós já pagamos com impostos e eu tenho que vender rifas, então nós estamos pagando duas vezes!
- Jonas, meu amado. Na realidade pagamos mais vezes. Todo cidadão com certo nível de renda paga o Imposto de Renda. Este dinheiro muitas vezes já é recolhido antes de se receber o salário. Em todos os produtos que consumimos como gasolina, pão, café, arroz e feijão, uma parte do preço de compra é imposto que pagamos ao Governo do Estado, ao Município e ao Brasil. Em empresas que os produzem também pagam impostos para os fazer. Quando estes produtos são transportados de um lugar para o outro, também tem imposto. Em muitos casos nós pagamos imposto sobre imposto. Ou seja: o produto já pagou impostos e ainda outros impostos são cobrados sobre este valor composto.
- Pai. Se a gente paga várias vezes, então porque eu preciso vender rifa para ajudar a escola? O dinheiro dos impostos não basta?
- Basta sim, meu filho. É muito dinheiro recolhido. Só que além dos usos corretos, muito dinheiro se perde ou é mal usado.
- Como se perde ou é mal usado?
- Muitos administradores e políticos mal intencionados desviam para o seu bolso ou administram erroneamente o dinheiro.
- Pai, por que a gente não cobra desses “caras” e “bota” os outros na cadeia? Porque eles estão nos roubando!
- Meu filho. Todo homem sério deveria fiscalizar e cobrar o dinheiro público. Mas, a imensa maioria dos homens acredita que o dinheiro público é de ninguém. Algo feito para se por a mão, indiscriminadamente. Esquecem que é dinheiro seu, meu, teu e da diretora do colégio. Assim, erroneamente, muitos acham “mais bonito e fácil” fazer mutirões para calçar ruas, limpar rios, vender rifas. Onde o certo seria exigir do Presidente, do Governador e do Prefeito o bom uso do seu dinheiro e ações concretas em benefício da comunidade. Porque, como você viu, é muito dinheiro. Assim, é muito mais fácil para as autoridades quando a comunidade se une em mutirões. Outro dia vi em um documentário um cientista político europeu falando da diferença entre dois tipos de Democracia. Ele falou que na Europa, em sua maioria, os políticos tem medo da população. Pois ela vai às ruas reivindicar seus direitos. E, em muitos países, a população tem medo dos políticos. Ninguém reclama seus direitos e o uso do seu dinheiro e da sua força de trabalho. O Brasil é um país desses. Por isso, eles “deitam, rolam e riem da nossa cara”. E não fizemos nada.
Lembrei-me de Eduardo Alves da Costa e de seu poema “No caminho com Maiakóvski” e quis fechar o assunto com “chave de ouro”.
- Jonas, tem um poema lindíssimo, da década de 60, que fala sobre isso. Ele diz:
“Na primeira noite eles se aproximam.
E roubam uma flor do nosso jardim.
E não dizemos nada.
Na segunda noite, já não se escondem; pisam as flores, matam nosso cão, e não dizemos nada.
Até que um dia, o mais frágil deles entra sozinho em nossa casa, rouba-nos a luz, e, conhecendo nosso medo, arranca-nos a voz da garganta.
E já não podemos dizer nada.”
E Jonas, expondo a simplicidade de todo jovem, disse:
- Lindo. Gostei. Entendi tudo. Vou falar com a galera. A gente não vai vender mais rifa. Pô! Aquilo é um saco!
Ih! Acho que criei um incendiário.
Agora, só ouvindo Father and Son de Cat Stevens...
por Pedro Lopes.
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